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Terceirização: Um Mecanismo Empresarial, Não um Instituto do Direito do Trabalho

Entre Discursos Empresariais e a Realidade da Classe Trabalhadora

O Direito do Trabalho é fruto de lutas sociais e de classes, originado a partir de tensionamentos históricos que moldaram sua estrutura. Paradoxalmente, esse mesmo ramo jurídico também serve ao capitalismo, ao passo que o organiza e permite sua continuidade, garantindo um equilíbrio entre a “proteção” dos trabalhadores e das trabalhadoras e a manutenção do sistema produtivo.

Essa dualidade evidencia a natureza contraditória e dialética do Direito do Trabalho, que, ao mesmo tempo em que protege trabalhadoras e trabalhadores, também contribui para a preservação dos interesses da burguesia1. Dessa forma, ainda que atenda às exigências históricas do capital, assegura aos trabalhadores direitos mínimos, concedendo-lhes as chamadas "migalhas protetivas".

Fato é que o Direito do Trabalho surgiu como um contraponto à mercantilização da força de trabalho humana, consolidando-se como um ramo jurídico voltado à promoção da dignidade e da proteção daqueles que, por imposição legal, encontram-se em uma relação de subordinação, geralmente em desvantagem econômica.

A terceirização, neologismo concebido na década de 1970 durante a onda flexibilizante instituída pelo regime civil-empresarial-militar, é, na verdade, um eufemismo de marchandage, ou seja, a locação de mão de obra repudiada internacionalmente desde o século XIX2.

No Brasil, esse termo passou a designar o modelo de subcontratação empresarial, cuja essência se ancora no Direito Civil, regulando as relações entre empresas prestadoras e tomadoras de serviços. No entanto, a análise histórica revela que essa estruturação das relações entre capital e trabalho sempre enfrentou resistência da classe trabalhadora e não conquistou legitimidade social ao longo do tempo.

A verdade é que no contexto pátrio, a subcontratação nunca se harmonizou com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Seu marco inicial remonta aos anos 1970, período em que a flexibilização das relações laborais foi impulsionada pelo regime civil-empresarial-militar, levando à criação de permissivos legais que precarizaram as condições de trabalho, como o trabalho temporário previsto na Lei 6.019/1974.

A retórica favorável à terceirização está intrinsecamente atrelada à racionalidade econômica, direcionada estritamente aos interesses das grandes corporações, que detêm o poder de submeter outras empresas a seus desígnios3.

O discurso hegemônico nos círculos jurídico-empresariais fundamenta-se nessa lógica de maximização de lucros, promovendo a fragmentação das relações de trabalho e a diluição da responsabilidade social e trabalhista.

Portanto, a terceirização não pode ser considerada um instituto próprio do Direito do Trabalho. Pelo contrário, trata-se de uma estratégia empresarial infiltrada nesse ramo jurídico para desmantelar seus princípios fundamentais, enfraquecendo as garantias conquistadas historicamente pela classe trabalhadora.

Tudo isso nos traz reflexões críticas sobre a origem e os reais objetivos da terceirização, contribuindo para uma leitura de ressignificação de seus termos. Devemos problematizar sua absorção pelo Direito do Trabalho, resgatando sua essência humanística e social, em consonância com as diretrizes internacionais de regulamentação do trabalho e os princípios estabelecidos na Constituição da República.

Diante desse cenário, é fundamental que trabalhadoras e trabalhadores, estudiosos e formuladores de políticas públicas reflitam criticamente sobre o papel da terceirização e seus impactos nas relações de trabalho.

O desmonte das proteções históricas conquistadas por meio de lutas sociais não pode ser ignorado, tampouco naturalizado como um efeito inevitável do modelo econômico vigente.

Cabe a todos nós questionar e debater os caminhos que queremos para o mundo do trabalho, assegurando que sua evolução respeite os valores de dignidade, justiça e equidade.

A verdade é que somente por meio da reflexão coletiva e da ação consciente será possível construir um futuro no qual o Direito do Trabalho permaneça (e seja de fato) um instrumento de proteção e emancipação social.

Mariane Lima Borges Brasil, natural de Varginha/MG, graduada em Direito pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), Mestre e Doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Integra o Grupo de Pesquisa em Direito do Trabalho e Direitos da Personalidade (GPDTDP) da FD-USP. Advogada, atua na equipe do escritório Cezar Britto e Parahyba F&T (Polo de São Paulo/SP), prestando assessoria jurídica a sindicatos, com foco na defesa e promoção dos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores.


  1. SEFERIAN, Gustavo Scheffer Machado. Direito do trabalho como barricada: sobre o papel tático da proteção jurídica do trabalhador. 2017. 356 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

  2. VIANA, Márcio Túlio. Para entender a terceirização. São Paulo: LTr, 2015.

  3. CAMPOS, André Gambier (organizador). Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate. Brasília: Ipea, 2018.

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