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Terceirização, responsabilidade da administração pública e o julgamento do TST
Raquel Bartholo
12 de dezembro de 2019

Nesta quinta-feira (12/12) a Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI) irá se reunir para discutir a questão relativa ao ônus da prova para atribuição de culpa à administração pública nos casos de terceirização de serviços.

No julgamento do Recurso Extraordinário 760.931, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido que a administração pública deve responder subsidiariamente pelos encargos trabalhistas de empresa terceirizada contratada para lhe prestar serviço quando comprovada culpa por má contratação ou por ausência de fiscalização no contrato.

Visando adequar a jurisprudência do tribunal ao decidido pela Suprema Corte, o TST aprovou alteração da Súmula 331 para deixar expresso que “a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.

É certo que o STF determinou que a responsabilidade subsidiária do ente público não pode ser reconhecida de forma automática, depende de prova da conduta culposa da contratante. Contudo, embora os ministros tenham debatido a questão relativa à distribuição do ônus da prova, não houve consolidação de tese a respeito da questão na decisão final do RE 760.931. Resta, agora, ao TST a tarefa de analisar a questão, o que será feito pela composição plena da SDI esta semana.

Alguns elementos não podem deixar de ser considerados pelos julgadores na apreciação da controvérsia. Não se pode esquecer que o julgamento afetará diversos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados que buscam a Justiça do Trabalho com o objetivo de garantir seus devidos direitos.

É preciso ter em conta que não há como o empregado se imiscuir na relação entre terceiros — é terceirização, recorda-se — e ter ciência de documentos, fatos, acertos, negociações e assunção de responsabilidades entre tomadora e terceirizadora — relação bilateral da qual não faz parte — e fiscalizar a não fiscalização de uma das partes e fazer prova negativa para apresentação em juízo.

A questão é de relevantíssima apreciação, uma vez que, se o TST decidir que é ônus do trabalhador a comprovação da culpa da administração pública, estará a exigir de um vulnerável a produção de prova de fato negativo em uma relação entre seu empregador e terceiro. Tudo isto, sem acesso a tal prova, pois é o terceiro ou a empregadora que têm aptidão de produzir ou não tais provas. O trabalhador neste caso é a parte mais frágil, já que tem uma relação de emprego precária e efêmera.

Fica evidente, assim, a possibilidade de que se firme entendimento de que o ônus da prova da comprovação da culpa da administração pública recaia sobre o trabalhador terceirizado, o que, em termos práticos, inviabiliza qualquer possibilidade de responsabilização, eis que é impossível a produção da prova pretendida pelo trabalhador.

Para os que defendem que é do trabalhador o ônus de comprovar a culpa do ente público na eleição ou fiscalização das empresas terceirizadas, é preciso dizer que estão na contramão do disposto no artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal. O entendimento irá por precarizar ainda mais o trabalhador terceirizado frente ao próprio Estado, que deveria protegê-lo, de acordo com o artigo 5º, XXXV, da Constituição. Na prática será criado um escudo de irresponsabilidade da administração pública, por atribuir ao trabalhador prova impossível de sua culpa, aproximando o ente estatal às figuras absolutistas de outrora.

É de se temperar, portanto com isso:

1. As obrigações são atribuídas entre tomadora e terceirizadora – contrato do qual o trabalhador não faz parte;

2. A obrigação de fiscalização é de terceiro sobre o empregador do trabalhador, ao qual é subordinado. Isso soma tremenda dificuldade em o trabalhador fiscalizar a fiscalização da tomadora, pois depende de ter acesso ao tramite contratual de seu empregador, o que já é difícil, quando não vedado; e se o caso é de ausência de fiscalização de ilícito da empregadora é realmente impossível se verificar tais informações ao empregado;

3. A produção de prova requerida, para o empregado, é de prova negativa, ao passo de que para a administração pública é de prova comum, positiva, de que cumpriu com seus deveres;

4. Apesar de ter toda a condição de provar o cumprimento (eis que contratante e supostamente fiscalizadora), a administração pública se escuda em presunção quando é possível se chegar à verdade provada, constatada, dos fatos; daí se cria um veículo em que a administração sempre se beneficiará da própria torpeza — contrata, não fiscaliza e, por inexistência de qualquer documentação, impossibilita o empregado de provar a negligência.

A diferença para aptidão para a prova, nos casos de responsabilização da administração pública é gritante, notória. Não se pode reduzir a questão a presunção de legitimidade de atos quando esta significa a completa falência do Judiciário em prestar jurisdição efetiva nos casos de terceirização, onde a administração pública explora o trabalhador diretamente, não fiscaliza as obrigações de sua contratada, impossibilita o trabalhador de produzir provas da omissão (provas negativas) e deixa o trabalhador à mercê da inadimplência generalizada das terceirizadoras.

*Raquel Bartholo é é advogada e integra a equipe do escritório Cezar Britto & Advogados Associados.

Artigo originalmente publicado em: https://www.conjur.com.br/

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