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STF e a importante decisão de estender o prazo para remoções de famílias na pandemia
Paulo freire
29 de Junho de 2022

*Deborah Duprat e Paulo Freire

O Supremo Tribunal Federal, na pessoa do ministro relator Roberto Barroso, em 03/06/2021, deferiu liminar para “suspender pelo prazo de seis meses medidas administrativas ou judiciais que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis, nos casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020”, data em que se iniciou o estado de calamidade pública decorrente da Covid-19. Essa decisão assenta-se em três premissas básicas: i) no contexto da pandemia, a tutela do direito à moradia permite o isolamento social e, em consequência, o adequado enfrentamento da doença; ii) a atuação estatal, em tal cenário, deve ser orientada no sentido de prover especial atenção a pessoas em situação de vulnerabilidade, exatamente as mais propensas a contrair o vírus; iii) na situação de crise sanitária, a prioridade absoluta deve ser a de  evitar o incremento do número de desabrigados.

Próximo a espirar o prazo concedido para a suspensão dos despejos, o relator foi novamente provocado por diversas entidades a prorrogá-lo, considerando a persistência dos efeitos sanitários da pandemia e o agravamento da crise socioeconômica dela decorrente no país. A liminar veio a ser novamente concedida em 01/12/2021 e, posteriormente, referendada pelo Plenário do STF. O prazo de suspensão dos despejos passou a ser 31/03/2022. Na data em que foi proferida a decisão, o Brasil contabilizava 11.413 novos casos de contaminação por dia. Na semana passada, em 23/06/2022, registravam-se 72.049 pessoas contagiadas. As mortes diárias geradas pela Covid-19 em 01/12/2021 eram em torno de 283, enquanto que em 23/06/2022 atingiram 365 .  

Em 30/03/2022, houve nova prorrogação na questão dos despejos até 30/06/2022, ou seja, até a próxima quinta-feira. A sequência de decisões tem em conta exatamente as mesmas premissas iniciais, que foram se estendendo ao longo do tempo. A vacinação, a despeito de em certa medida ser bastante exitosa, não atinge de forma isonômica todas as frações sociais da sociedade brasileira. Alguns indicadores demonstram que o quadro da pandemia não se esgotou e está longe disso, e a situação socioeconômica de milhares de famílias no Brasil agravou-se em demasia. O número de pessoas sem ter o que comer quase dobrou nos dois últimos anos. Atualmente, cerca de 33,1 milhões de brasileiros vivem em situação de fome, 14 milhões a mais que em 2020. Se consideradas as pessoas que vivem com algum grau de insegurança alimentar, chega-se ao número de 125,2 milhões, o que corresponde a mais da metade (58,7%) da população, um incremento de 7,2% em relação ao ano de 2020 .

O Brasil voltou a ocupar o mapa mundial da fome, o que exige do Poder Judiciário maior vigilância em relação à omissão estatal em enfrentar de forma efetiva a pandemia e seus efeitos perversos. As decisões na ADPF 828 simbolizam um marco importante nesta conjuntura, pois evitaram o agravamento da miséria nacional, assegurando moradias e atividades produtivas a 142 mil famílias ameaçadas de remoção no período e impedindo que viessem a engrossar o já assustador número de 180 mil pessoas que “vivem” nas ruas .

O STF tem, na ordem constitucional brasileira, importante função de assegurar direitos fundamentais, especialmente o mínimo para a existência humana. A persistência das muitas crises que assolam o país dobra essa responsabilidade e exige que, na ponderação entre direitos variados, prevaleçam aqueles que, todavia ainda precários em sua implementação, têm o potencial de assegurar uma dignidade mínima para os seus titulares.

*Deborah Duprat é advogada e subprocuradora-geral da República aposentada. Também integra a Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD).

*Paulo Freire é advogado e integra a equipe do escritório Cezar Britto & Advogados Associado. Também é membro da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD).

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