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Segurança do trabalho: como funcionam os acordos coletivos entre sindicatos e cooperativas

ASCOM-CBA
16 de Agosto de 2023

A série de explosões em silos da Cooperativa C. Vale, em Palotina, no Paraná, traz à tona a questão da segurança do trabalho para funcionários que atuam nesses ambientes.

As regras de segurança e saúde para ocupações em espaços confinados estão previstas nas normas regulamentadoras NR-33 e NR-31, do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, instrumentos como os acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho reforçam as exigências previstas em lei.

A Globo Rural conversou com especialistas para entender como funcionam os acordos coletivos e em que medida esses instrumentos de negociação previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) podem abordar demandas, em especial de segurança do trabalho, dos funcionários de uma cooperativa agrícola.

O acordo coletivo é um instrumento de caráter normativo, que resulta de uma negociação entre uma ou mais empresas - ou, no caso, cooperativa - e uma entidade sindical de trabalhadores.

Difere da convenção coletiva, que é resultado da negociação entre entidades sindicais dos trabalhadores e patronal. Ambos os documentos têm a finalidade de estabelecer condições de trabalho em comum acordo entre os trabalhadores e os empregadores.

O advogado Cezar Britto, especialista em Direito de Inclusão e Direito Sindical, explica que o acordo coletivo possibilita a negociação de direitos além daqueles previstos na legislação.

“É um instrumento utilizado para estabelecer normas superiores às que a CLT oferece”, comenta. Ele refere-se à expressão “negociado sobre o legislado”, inserida no contexto jurídico logo após a Reforma Trabalhista, em 2017.

Outro aspecto destacado por Britto é que, no caso das cooperativas, os cooperados são os patrões. Assim, o acordo coletivo será resultado das negociações dos trabalhadores da cooperativa, representados pelo sindicato, e dos cooperados, representados pela cooperativa. “A cooperativa monta uma estrutura empresarial e passa a ter empregados”, comenta.

Nesse cenário, as negociações para a formatação de um acordo coletivo podem abranger questões de âmbito econômico, social e trabalhista. Porém, há limites para o que pode ser negociado.

De acordo com o advogado Rodrigo Chagas, doutor em Direito do Trabalho e Previdência Social pela USP e professor de Direito Coletivo do Trabalho no Insper, há um rol de direitos que não entra nessa possibilidade.

Conforme o artigo 611 B da CLT, não podem ser suprimidos ou reduzidos direitos relativos a salário mínimo, férias anuais, licenças maternidade e paternidade, entre outros. Também fazem parte desses direitos as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho.

Trabalho em silos e armazéns

Quando se trata da atuação em silos de armazenamento de grãos - atividade comum às cooperativas agrícolas -, as regras de segurança e saúde estão previstas nas NR-33 e na NR-31, do Ministério do Trabalho e Emprego.

A primeira estabelece os requisitos para a caracterização dos espaços confinados, os critérios para o gerenciamento de riscos ocupacionais e as medidas de prevenção, com o intuito de garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que interagem direta ou indiretamente nesses locais.

Entre as responsabilidades da organização previstas na NR-33 está o fornecimento das informações sobre os riscos e as medidas de prevenção, previstos no Programa de Gerenciamento de Riscos, aos trabalhadores que interagem direta ou indiretamente com os espaços confinados; garantir os equipamentos necessários para o controle de riscos, assim como supervisionar as atividades.

Já na NR-31, o artigo 31.13 estabelece as normas de segurança para secadores, silos e espaços confinados, o que compreende a montagem e a manutenção dos silos, assim como sistemas de proteção e acesso, operação de carga e descarga, capacitação dos trabalhadores, entre outros pontos.

Além disso, a norma prevê que os secadores e silos devem ser submetidos a manutenções em conformidade com o manual de operação e manutenção do fabricante e as mesmas devem ser registradas, por equipamento, em livro próprio, ficha ou sistema informatizado.

Chagas ressalta que essas NRs estão na esfera de normas que não podem ser negociadas. “Se isso ocorrer, a Justiça do Trabalho pode intervir e considerar a nulidade da decisão”, explica.

Fiscalização

A fiscalização do cumprimento das normas previstas na legislação, assim como das negociações do acordo coletivo, é feita pelo Ministério do Trabalho e pelos próprios sindicatos. Tanto trabalhadores quanto entidades de classe podem também acionar o Ministério Público do Trabalho no caso de descumprimento de normas.

“Em geral, o acordo coletivo prevê multa para casos de descumprimento de alguma das cláusulas”, explica Britto.

No caso da C. Vale, Mauri Viana Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Cooperativas de Palotina e Região (Sintrascoopa), afirmou em entrevista à Globo Rural que foi fechado novo acordo coletivo com a cooperativa no último dia 23 de julho, reforçando, entre outros aspectos, as situações de risco de acidentes de trabalho. “A cooperativa cumpre todos os protocolos de segurança”, observou Pereira.

Diante do acidente ocorrido no dia 26 de julho, em que as explosões nos silos da C. Vale resultaram em 9 mortos e 11 feridos, o presidente do Sintrascoopa defende uma investigação rigorosa: “uma tragédia desse nível deve ser apurada, pois não acontece com base em uma ação isolada”, acredita.

Além de inquérito na Polícia Civil e investigação da Polícia Científica, o Ministério Público do Trabalho do Paraná (MPT-PR) instaurou um inquérito civil para investigar aspectos relacionados à regularidade dos trabalhadores vitimados pela explosão no silo, à obediência às normas regulamentadoras de saúde e segurança do trabalho.

O MPT-PR informou, por meio de nota, que “a partir deste caso iniciará esforço concentrado para a verificação da situação dos demais silos, desta e de outras empresas, localizados no estado do Paraná, pois é direito de todos, sem distinção, um meio ambiente de trabalho seguro e saudável”.

Segurança e saúde

Não apenas os silos e sistemas de armazenagem merecem atenção do setor. As atividades do agronegócio são muitas vezes perigosas por si só, com riscos que vão desde a mordida de animais nas lavouras até a queda dos trabalhadores em buracos, sem falar nos equipamentos das unidades fabris.

Para reduzir o índice de acidentes, algumas empresas investem mais do que o previsto na legislação. É o caso da Louis Dreyfus Company (LDC), que aumentou em 24% seus gastos em segurança e saúde dos funcionários no ano passado, em relação a 2021.

Foram US$ 40,9 milhões a nível global, sendo US$ 17 milhões apenas para o Brasil. Neste ano, a expectativa é que os gastos cheguem a US$ 45 milhões.

“Queremos atingir a meta zero de acidente em todas as operações da LDC”, afirmou à reportagem Vitor Correa, head global de saúde, segurança e meio ambiente da empresa. No primeiro semestre deste ano, 84% das operações brasileiras tiveram índice zero de acidentes.

Também segundo ele, houve uma redução de 27% nos índices de frequência de acidentes e lesões com atenção médica em relação as horas trabalhadas e de 36% nas lesões graves, que resultaram em afastamento do trabalho, em relação às horas trabalhadas.

“Temos colocado o que tem de melhor no mercado para proteger nossos trabalhadores, seguindo o padrão mais rígido que existe que é o americano”, completou.

*Com colaboração de Fernanda Pressinott

Publicado originalmente em: https://globorural.globo.com/negocios/noticia/2023/08/seguranca-do-trabalho-como-funcionam-os-acordos-coletivos-entre-sindicatos-e-cooperativas.ghtml

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