A xenofobia nunca fora forasteira em solo europeu. Ela sempre esteve presente nas guerras, nos holocaustos, nos genocídios e toda a espécie de crime praticado em defesa da superioridade racial, da pureza religiosa, da infalibilidade ideológica ou do simples desejo de conquista.
Discursos fascistas, nazistas, racistas, segregacionistas e autoritários ganham adeptos em ritmos assustadores. Eles ganham corpos, votos e cores nos sentimentos externados nas campanhas e urnas eleitorais, como se observou nas últimas eleições na Alemanha, Áustria, Bélgica, França, Holanda, Hungria, Itália e Polônia. No Reino Unido, eles fundamentaram o Brexit, comprometendo a política de um mundo livre de fronteiras.
E quem são estes imigrantes que causam tanto horror, ódio e repulsa aos europeus? Por que fogem de suas terras, largam suas famílias, abandonam os seus bens e apagam as histórias que escreveram em suas terras de origem? Qual o motivo de se aventurarem em frágeis e lotadas embarcações, sabendo da morte possível e muitas vezes, inevitável?
O que eles buscam no “rico solo civilizado”? Não ficam angustiados por se saberem não queridos? Qual a razão de serem deixados à míngua, mesmo quando fugidos da morte certa pelas bombas europeias/estadunidenses, assassinados por terroristas ou massacrados pela insensibilidade de governantes protegidos pelos palácios construídos com as riquezas amealhadas em guerras e confiscos?
É preciso lembrar, de logo, que o relacionamento dos europeus com os africanos por exemplo, não é de passado bem recente. Não custa registrar, escolhendo-se palavras mais reais, que a violência imposta pelos europeus aos nascidos na África é de tempo secular.
Ela decorre desde o achamento do continente africano pelas caravelas europeias, quando se consolidou, em escala inimaginável, a criminosa prática da escravidão, do estupro, do genocídio e da transferência compulsória de milhões de acorrentados seres humanos para terras desconhecidas e de impossível retorno. Ainda significou a destruição de estruturas sociais consolidadas, o deliberado roubo das riquezas naturais e o sequestro de qualquer perspectiva de uma sobrevivência digna.
Como se não bastasse a exploração criminosa e predatória por séculos, em tempos mais “modernos” o saque ao continente africano ganhou formas mais explícitas através do que a história registrou como “A Partilha de África”, ocorrida a partir da Conferência de Berlim de 1885.
Naquele espaço do tempo, também conhecido como a “Corrida a África” ou a “Disputa pela África”, os países europeus saíram do ”imperialismo informal“, em que exerciam o controle através da influência militar e da dominação econômica, para uma pilhagem mais direta. Sem disfarce ou qualquer resquício de humanismo, dividiram entre si o território africano. E não levaram em consideração, sequer, as diferenças étnicas, históricas e culturais existentes no continente africano.
Repentinamente, sem qualquer aviso prévio, famílias, grupos étnicos, histórias e territórios africanos passaram a pertencer a algum império europeu. E não era uma lista pequena, a exemplo da seguinte repartição: Inglaterra (Egito, Sudão Anglo-Egípcio, Nigéria, Costa do Ouro, Serra Leoa, Uganda, Gâmbia, África Oriental Britânica, Somália Britânica, Rodésia do Norte, Niassalândia, Rodésia do Sul, Bechuanalândia, Transvaal, Suazilândia, Orange, União da África do Sul e Basutolândia); França (Marrocos, Argélia, Mauritânia, Sudão Francês, Níger, Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Alto Volta, Daomé, Chade, Gabão, Tunísia e Madagascar); Alemanha (Camarões, África Oriental Alemã, África do Sudeste Alemã e Togo); Bélgica (Congo Belga); Espanha (Marrocos Espanhol, Rio de Ouro e Rio Muni); Itália (Líbia, Eritreia e Somália Italiana); e Portugal (Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Angola e Moçambique).
Esta perversa divisão entre nações e povos irmãos, empobrecidos pela histórica e ininterrupta pilhagem, está na base das diversas guerras civis e disputas territoriais, sempre “controladas” pelo poderio bélico de cada império europeu e do parceiro EUA. E elas se tornaram acentuadas nos dias atuais, quando, a pretexto de defender a população civil, destruiu-se o Iraque, a Tunísia, a Líbia e, por último, a Síria.
Nestes países, as “humanitárias armas de assassinato em massa” completaram a perversidade vivenciada em terras africanas e asiáticas, arrasando vidas, quedando instituições e explodindo estruturas vitais à sobrevivência de comunidades inteiras. A África e o Oriente Médio segue, assim, morrendo à míngua, desencantados, sem conseguir seduzir os belos olhos estadunidenses/europeus que sempre lhes sugaram a beleza.
Estes são os refugiados e imigrantes que são recusados em terras europeias, humilhados em discursos e ações, abandonados na travessia incerta do cemitério marítimo e desprezados pelos destruidores de suas terras natais. Eles não perceberam, salvo quando pisaram no solo europeu, que, para os governantes e parte da população, as mortes afegãs, sírias, iraquianas, palestinas e milhões de outras não têm rostos, donos ou digitais, pois são consideradas apenas estatísticas nos jornais diários ocidentais.
Na verdade, eles revelam a hipocrisia dos bombardeadores que professam o paraíso terreno para todos, desde que nascidos em solos europeus ou estadunidenses. Assistimos diante dos nossos olhos a um holocausto todo dia, resta saber por quanto tempo permaneceremos insensíveis àqueles que nos são diferentes?
Artigo originalmente publicado em: http://congressoemfoco.uol.com.br/
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