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A extinção de reserva nacional é a venda da nossa sobrevivência
Cezar Britto
1 de setembro de 2017

Sobrevivência é, sem dúvida, uma palavra-chave a unir todos os seres do planeta. O instinto de sobrevivência acompanha o avançar do planeta, determinando quem ultrapassa ou se queda em determinada quadra do tempo. Espécies foram extintas, transformadas ou nascidas unicamente em razão da sua capacidade de adaptação ao habitat, aos adversários, às doenças, às mudanças ambientais ou mesmo à sua formação genética. Não sem razão a História é o registro cronológico do evoluir da vida sobrevivente do planeta. É esta experiência histórica quem alicerça o passado, apontando-nos os fracassos e os caminhos mais seguros a serem percorridos. É cada uma das etapas testemunhadas pelo evoluir do tempo quem nos ensina a construir no hoje uma sobrevivência que sustente o planeta no amanhã.

A preocupação com a sobrevivência do planeta e das pessoas que o habita sempre esteve na lista da cidadania brasileira. Tanto é assim que o Brasil fora a sede da Rio+20, nome da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorrera nos 13 a 22 de junho de 2012. A escolha do Brasil como sede do encontro não fora por acaso, reconhecia-se, ali, o esforço brasileiro na defesa do desenvolvimento sustentável, bem assim por ter sediado a primeira etapa da Cúpula da Terra (ECO-92), vinte anos antes. E aqui estiveram os líderes de 193 países que fazem parte da ONU, os cientistas mais sinceros, os ambientalistas mais engajados e as pessoas mais esperançosas com o futuro do planeta.

Embora sem atingir todos seus objetivos, ambas as cúpulas produziram novas regras civilizatórias assumidas pelos governantes presentes, refletidas em tratados internacionais. E o Brasil sempre fora elogiado pelo seu esforço preservacionista, como destacado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2009, também chamada Conferência de Copenhague. Não poderia ser diferente, uma vez que a finitude dos recursos naturais exige o compromisso de todos em proteger o planeta da ação predatória da mente humana, tanto em sua busca incontrolável pelo lucro, quanto pelo vício desenfreado do consumo ou, ainda, pelo simples poder de ser dono do insaciável poder. Afinal, como alertara o escritor carioca Euclides da Cunha no iniciar do século XX: Não é o bárbaro que nos ameaça, é a civilização que nos apavora.

Daí a razão da surpresa quando o governo plantonista anunciou a extinção da Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados). Ela havia sido criada no pacto civilizatório de 1984, exatamente com o objetivo de preservar um dos mais importantes ecossistemas do planeta. A reserva, localizada nos Estados do Pará e Amapá, está sendo extinta para que o setor de mineração possa sugar a sua vida, desequilibrar o ecossistema que lá habita e, por fim, matar o futuro das próximas gerações. É escrever em outras palavras: O governo que prometeu vender mais de cinquenta estatais, a Eletrobrás e a Casa da Moeda, também quer ceder para a iniciativa privada o verde que tremula na bandeira brasileira e, de quebra o ouro, os índios, o céu, a água e tudo que possa render algum lucro para a honestíssima brava gente que se embala nos berços esplêndidos dos palácios Jaburu e Itamaraty.

Com a suspeita de antecipar para as mineradoras estrangeiras o desejo de se entregar a floresta Amazônica para o faminto consumo internacional, sem qualquer discussão prévia com a sociedade brasileira, o governo plantonista pode ter quebrado o pacto civilizatório assumido pelo Brasil e referendado em nossa alma preservacionista. Ora, sabemos todos que a sobrevivência sustentável do planeta depende dos compromissos assumidos no hoje, especialmente aqueles que garantem conservação da nossa moradia como um ambiente socialmente justo, solidário e igualitariamente utilizado por todos. Até porque o direito de sobrevivência da atual geração não pode eliminar ou comprometer o direito de sobrevivência das gerações futuras.

A Terra, vítima do ser humano, não mais externa o mesmo tom azul que um dia enxergara o cosmonauta russo Yuri Gagarin a bordo do Vostok I. E ao personagem que mais interfere na escala da sobrevivência do planeta o governo plantonista pretende entregar o destino da floresta Amazônica. Autoriza ele, sem aviso prévio ou qualquer debate, a invasão do nosso jardim pelas destrutivas mineradoras, estrangeiras ou não. Escancara as portas para que as mineradoras entrem em nossa casa, comprometam o desenvolvimento sustentável do Brasil e, sobretudo, rasguem o compromisso inalienável desta geração com o futuro das próximas gerações. Atual, portanto, o alerta que fizera o poeta russo Vladimir Maiakovski: Você não pode deixar ninguém invadir o seu jardim para não correr o risco de ter a casa arrombada.

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