O escritório Cezar Britto & Advogados Associados está realizando uma série de debates com sua equipe de advogados e advogadas para traçar uma metodologia de trabalho e de enfrentamento face às mudanças contidas na recente Reforma Trabalhista, aprovada pelo Congresso Nacional e já sancionada pela Presidência da República. A Lei nº 13.467/17 deve entrar em vigor a partir de novembro e o objetivo dos encontros é avançar nos estudos e no desenvolvimento de teses visando à capacitação da equipe jurídica e dos estagiários e estagiárias do escritório.
O primeiro debate aconteceu na última sexta (29) e teve como tema os aspectos legislativos da Reforma. A advogada Raquel Bartholo fez uma retrospectiva do processo de tramitação da nova lei. Raquel lembrou que a proposta de iniciativa do Executivo Federal tramitou em regime de urgência nas duas Casas Legislativas. Para ela, em que pese a importância da matéria discutida, envolvendo alterações profundas na legislação trabalhista, o PL foi aprovado a “toque de caixa”, em menos de seis meses de debates, com críticas duras do Ministério Público do Trabalho (MPT) e também da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA).
“O próprio relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado, senador Ricardo Ferraço (PSDB/ES), propôs já de início que depois de aprovada em Plenário, a matéria deveria ser objeto de vetos pelo Executivo, admitindo que flexibilização dos direitos trabalhistas é alternativa controversa de geração de mais empregos”, lembra Raquel. A advogada narrou a batalha vencida pelos senadores em outra comissão de mérito do Senado, a de Assuntos Sociais (CAS). “Foram 10 votos contra 9 que rejeitaram a proposta aprovada na Câmara e na CAE do Senado. A CAS apresentou parecer alternativo, indicando pela rejeição total da proposta enviada pela Câmara. O Senador Paulo Paim (PT/RS) fez importantes ressalvas quanto à constitucionalidade das alterações propostas, ressaltando que: as reformas trabalhistas adotadas nos últimos anos no contexto das políticas de austeridade não parecem ter ajudado os países a se recuperarem, nem permitido a restauração a um acesso ao emprego em nível equivalente à fase pré-crise. Em vez disso, eles minaram os direitos trabalhistas e outros direitos sociais consagrados no direito internacional e nacional”.
Depois de vencida a batalha na CAS, Raquel Bartholo detalhou “outras batalhas”, porém perdidas, até a matéria chegar à sanção presidencial. “Com o parecer desfavorável da CAS, o PLC seguiu para CCJ, tendo como relator o senador Romero Jucá (PMDB/RR), e já contava com mais de 600 propostas de emenda. A CCJ emitiu parecer favorável à proposta, também com encaminhamento para veto e regulamentação de alguns pontos pelo Poder Executivo, assim como fez a CAE. A batalha ganha pela Comissão de Assuntos Sociais não foi suficiente para ultrapassar as barreiras do regimento interno do Senado, pois quando há divergência entre os pareceres das comissões, estes são levados separadamente (mas na mesma sessão) para votação do Plenário. Em razão do encaminhamento da CAE e CCJ ter sido de acolhimento integral da proposta da Câmara, após a aprovação em Plenário, o PL seguiu direto para sanção presidencial”.
A advogada lamentou que o todo o processo de discussão da lei tenha sido feito em regime de urgência e aprovado às pressas, principalmente em se tratando de uma ampla modificação da legislação trabalhista: “Usando interpretações do Regimento Interno do Senado, adotando uma espécie de gambiarra legislativa, o projeto seguiu para sanção e virou lei, demostrando assim todo o seu caráter absolutamente antidemocrático”.
Raquel Bartholo acredita que os pontos de conflito já apontados por especialistas na nova lei, representarão a resistência e gerarão o efeito contrário do alegado nas justificativas parlamentares: insegurança jurídica. “O fato das alterações promovidas pela reforma serem de caráter controverso, tanto do ponto de vista constitucional, quando da legislação internacional de proteção aos direitos humanos, fará o Judiciário ter a tarefa de dar à lei interpretação conforme os princípios basilares do Estado Democrático de Direito”, ressaltou.
Já o estagiário Miguel Novaes destacou que o Ministério Público do Trabalho, produziu quatro notas técnicas até agora rechaçando o caráter legal e constitucional da nova lei. Dentre essas notas, duas tratam da terceirização trabalhista, outra do trabalho intermitente e a última do trabalho por tempo parcial. “É interessante ressaltar que, no caso do trabalho intermitente, o MPT faz a crítica, de que a reforma reduz o trabalhador a um insumo de produção, devendo haver uma espécie de “racionalização” de seus gastos. Além disso, aponta um caso concreto de que a diminuição dos trabalhadores em jornada intermitente causou o aumento dos postos de empregos e, ao mesmo tempo, aumentou o número de filiais daquele empreendimento. Ou seja, refutou-se todas as melhoras que deveriam surgir com as mudanças”.
Segundo Miguel, o MPT enviou à Presidência da República, durante o processo de sanção da matéria, um documento de 82 páginas, indicando inconstitucionalidade. “O MPT tratou de início apenas das questões materiais da Reforma sob a ótica constitucional e do direito internacional, mas também abriu a discussão acerca da inconstitucionalidade decorrente da ausência de amplo debate com a sociedade e da promoção do diálogo social, da violação de direito fundamental à jornada compatível com as capacidades físicas e mentais do trabalhador, do desvirtuamento inconstitucional do regime de emprego e a negação de incidência de direitos fundamentais e da ilegalidade na terceirização de atividades finalísticas das empresas.”
Miguel disse que já há Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5766, proposta pela Procuradoria Geral da República, que ataca os artigos 790-B e 791-A que tratam sobre a necessidade de pagamento de perícia, mesmo se beneficiário da justiça gratuita, e limitam este benefício nos casos em que a parte tiver logrado êxito em ação trabalhista anterior. A ADI questiona também, a necessidade de pagamento de multa, por parte do reclamante, em caso de ausência da audiência. “Isto é, provocou-se a Suprema Corte a se posicionar acerca do alcance da gratuidade da justiça, na Justiça Obreira, baseando-se no princípio constitucional universal de acesso à justiça”, explicou.
Resumo das Inconstitucionalidades
Trabalho intermitente
Precarização das relações de trabalho: violação do disposto no artigo 7º, IV, da Constituição Federal, ao não prever o pagamento de remuneração mínima aos trabalhadores, fazendo com que suas necessidades vitais básicas não sejam devidamente garantidas.
Violação do princípio geral dos contratos: conforme princípio geral de direito, todo contrato deve ser certo e determinado. Com o contrato de trabalho intermitente, o trabalhador não saberá quanto tempo deverá trabalhar para determinada empresa nem o valor da remuneração mínima em cada mês trabalhado. Ou seja, duas das principais cláusulas de um contrato de trabalho serão móveis e abertas, em flagrante desrespeito ao princípio da certeza nos contratos.
Ao permitir a contratação e a remuneração de empregados apenas em período determinado pelas necessidades da empresa, transfere aos empregados os riscos da atividade econômica, em desacordo com regra básica disposta no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho. Agredindo desta forma, a disposição do artigo 4º da CLT, ao determinar que o tempo do trabalhador à disposição da empresa deve ser por ela remunerado.
Terceirização
A terceirização da atividade-fim é inconstitucional: O artigo 7º, I, da CF/88 pressupõe a relação direta entre o trabalhador e o tomador dos seus serviços, que se apropria do fruto do trabalho. A terceirização da atividade-fim caracteriza intermediação ou locação de mão de obra, com a interposição de terceiro entre os sujeitos da prestação de trabalho, reduzindo o trabalhador à condição de objeto – de coisa sujeita ao comércio – desnudando prática ofensiva à dignidade da pessoa humana. A proposta é igualmente incompatível com as disposições do artigo 170 da CF/88, que define e protege a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na busca do pleno emprego.
Acesso à Justiça
A Constituição Federal garante em seu art. 5º, o direito de acesso à justiça e assistência integral aos necessitados (gratuidade da justiça). A Reforma Trabalhista traz diversas disposições – como o pagamento dos honorários periciais e advocatícios pela parte sucumbente, pagamento de custas por não comparecimento na audiência inicial – que representam afronta ao princípio de acesso à justiça.
O objetivo da norma é declaradamente diminuir o número de demandas na Justiça do Trabalho. Acontece que a maior parte das demandas são de trabalhadores postulando verbas rescisórias não pagas, a norma deveria direcionar-se a garantir maior adimplemento dos empregadores, não dos empregados.
Ao impor maior restrição à gratuidade judiciária na Justiça do Trabalho, mesmo em comparação com a Justiça Comum, e ao desequilibrar a paridade de armas processuais entre os litigantes trabalhistas, as normas violam os princípios constitucionais da isonomia (art. 5o, caput), da ampla defesa (art. 5o, LV), do devido processo legal (art. 5o, LIV) e da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, XXXV). Art. 8o do Pacto de San José da Costa Rica.
As verbas trabalhistas têm caráter alimentar, não sendo possível utilizar seus créditos para pagamento de custas periciais.
Reclamação Internacional de Inconstitucionalidade
Já foi protocolada Reclamação na Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho do Estado do Rio Grande do Sul, que indicou diversas afrontas a tratados ratificados pelo Brasil.