O Tribunal Superior do Trabalho (TST) realizou em Brasília na última sexta (27) uma audiência pública com entidades que representam os petroleiros e advogados da Petrobrás para tratar da chamada RMNR – Remuneração Mínima de Nível e Regime, instituída em 2007 pela empresa. A intenção foi de apresentar aos ministros que julgam a ação as condições de trabalho dos profissionais que atuam na área operacional e que possuem direitos próprios em razão de condições mais adversas de trabalho (exposição a risco, materiais inflamáveis, condições de confinamento, jornada dos que estão embarcados em alto mar, etc). Para, assim, reforçar a tese defendida pelos trabalhadores de que estes direitos nunca foram objeto de negociação coletiva, ao contrário, fazem parte de décadas de reivindicações dos petroleiros em defesa de melhores condições de trabalho e garantia de diversos direitos como adicional de periculosidade, noturno, adicional de hora repouso e alimentação, de confinamento, dentre outros.
Mais de 40 expositores foram habilitados pelo ministro Alberto Bresciani, relator do Incidente em Recurso Repetitivo (IRR – 21900-13.2011.5.21.0012) que trata da matéria, e cada um teve dez minutos para sua exposição. A maioria dos trabalhadores que se manifestaram durante a audiência explicitou a dificuldade e o perigo que correm quando estão embarcados nas plataformas de petróleo pelo país. Muitos já presenciaram acidentes com vítimas e relataram o quanto o trabalho em alto mar, solitário e sem o convívio familiar por semanas, tem causado doenças e afastamentos dos profissionais que dedicaram décadas de trabalho a Petrobrás. Segundos as lideranças dos petroleiros, há um erro na argumentação da Petrobrás, pois a fórmula de cálculo da RMNR não diferencia os trabalhadores da área operacional do administrativo, excluindo a distinção entre trabalho perigoso ou não.
O escritório Cezar Britto & Advogados Associados representa os Sindicatos dos Petroleiros de Alagoas/Sergipe – SINDIPETRO/AL e SE nas ações que correm no TST. A advogada Camila Gomes, que faz parte da equipe do escritório que cuida destas ações foi categórica ao dizer que: “a questão do impacto econômico tem sido usada pela empresa como uma argumentação para causar terror frente ao Tribunal. Mas ela constitui uma espécie de cortina de fumaça, que tira o foco das questões jurídicas mais importantes. Por isto, estou convidando os ministros a desconfiar das informações trazidas pela empresa. Durante a tramitação do dissídio coletivo, foi apresentado um contracheque de um trabalhador no topo da carreira que trabalhou 30 dias embarcado, como se isto pudesse ser um parâmetro para a discussão do impacto econômico causado pela RMNR. Eu entendo isto como uma atitude de má fé processual, pois ao invés de contribuir com a elucidação do caso, ela confunde”. Camila lembrou que os contracheques apresentados durante a audiência pública por vários trabalhadores refletem mais verdadeiramente o que é a realidade salarial dos petroleiros, ou seja, não é uma realidade de “supersalários”.
Para Camila, mesmo nas decisões em que o poder público é invocado na justiça para dar cumprimento aos direitos sociais, quando faz a invocação de argumentos econômicos em sua defesa, o Poder Judiciário tem dito categoricamente: “argumentação genérica não é juridicamente plausível para afastar a sua obrigação de respeitar um direito”. Segundo a advogada, “é muito audaciosa a postura da empresa de vir perante a Corte Superior de uma justiça especializada, criada para proteger direitos sociais, e sustentar argumentos meramente econômicos. Chega a ser perverso que a empresa sustente uma argumentação econômica em detrimento da vida dos seus trabalhadores”.
De acordo com Camila os sindicatos não são vilões. “Quando a gente pensa no papel dos sindicatos no Brasil, qual é o papel dos sindicatos pensando na história recente? O movimento dos trabalhadores ajudou o Brasil a sair de uma ditadura civil militar. E qual foi o papel que as empresas cumpriram naquele contexto? Tem vários escândalos de corrupção e de empresas que cresceram mancomunadas com um governo autoritário, e os trabalhadores estavam no sentido oposto. E qual o papel dos sindicados na história da Petrobrás? A campanha do “Petróleo é nosso”, a conquista da Petrobrás como patrimônio nacional. O papel dos sindicatos foi sempre na defesa da empresa Petrobrás. E este é um exemplo do sindicato no desempenho de uma de suas tarefas mais importantes: a defesa da saúde e da segurança dos trabalhadores”.
Um dos trabalhadores que participou da audiência, João Paulo Pereira do Nascimento do SINDIPETRO/RJ, disse que no Brasil se “fabricou uma crise na Petrobrás” com base nos desvios de recursos de escândalos de corrupção estampados nos jornais. Isto tudo com a intenção de justificar que a empresa não tem condições de pagar o que é de direito dos seus empregados. “Posso dizer que durante nossos turnos de trabalho, a gente não para, e os trabalhadores fazem seu máximo arriscando suas vidas em alto mar. Nós acreditamos que a empresa não deve gerar só lucros, mas ela tem uma responsabilidade social perante o povo brasileiro”, garantiu.
Já Luiz Fernando Rodrigues Cordeiro, advogado do SINDIPETRO/RJ, ressaltou que apesar da empresa usar como justificativa de que as ações que correm no TST podem gerar uma espécie de “falência na Petrobrás”, não será o trabalhador que dedicou anos na luta para manter a empresa forte e um verdadeiro patrimônio nacional que irá “inviabilizá-la economicamente”. Para ele, é necessário lembrar que “o risco do negócio é do empregador. E é uma inverdade dizer que a Petrobrás é uma empresa estatal que depende de recursos públicos”.
Rafael Prado, do SINDIPETRO de São José dos Campos, foi mais duro e denunciou que nos últimos 5 anos foram quatro acidentes em plataformas com mortes de trabalhadores somente na base do seu sindicato. “É importante dizer que corremos risco todos os dias e não recebemos adicionais de periculosidade de forma justa, que são legais e expressamente previstos na Constituição. Estes trabalhadores que faleceram em campo, foram vítimas de crimes cometidos pela Petrobrás”.
Em sua fala final, a advogada Camila Gomes ainda fez um apelo aos ministros do TST: “nós acreditamos que analisar a cláusula do acordo coletivo em questão não pode se dar sem considerar a Constituição Federal. E considerando a Constituição, será que se pode chancelar a interpretação que vem sendo praticada pela empresa? Também acreditamos que não! Pois não é possível preservar a empresa sem preservar a saúde de seus trabalhadores”.
No encerramento da audiência pública, o ministro Bresciani garantiu que todos os pronunciamentos serão considerados e avaliados. “Teríamos condições de examinar a questão jurídica, mas entendemos prudente abrir a oportunidade da audiência pública para que mais argumentos fossem apresentados por todos os interessados”, destacou.
Entenda o caso
Os casos referentes a RMNR estão sendo julgados por diversos órgãos fracionários no TST há pelo menos 5 anos. No início as ações foram julgadas no âmbito das Turmas, mas posteriormente, a questão foi uniformizada pela Subseção Especializada em Dissídios Individuais I em setembro de 2013, com o julgamento do Processo nº 848-40.2011.5.11.0011. Nessa ocasião, firmou-se entendimento de que é inválida, seja por interpretação ou por previsão expressa, norma coletiva que implique em violação aos adicionais previstos em norma hierarquicamente superior à coletiva, ou seja, a lei e a Constituição Federal. A conclusão prática deste julgamento foi a exclusão dos adicionais de periculosidade, noturno e hora repouso e alimentação da fórmula de cálculo do “Complemento da RMNR” e o consequente pagamento das diferenças salarias decorrentes.
A partir desse julgamento e ao longo dos dois anos que se seguiram, todas as oito turmas da Corte adotaram o entendimento firmado pela SDI, inclusive com centenas de decisões já executadas. Em 10 de outubro 2014, dez dias após finalizada a negociação coletiva daquele ano, a empresa, para a surpresa dos sindicatos, suscitou o Dissídio Coletivo de Natureza Jurídica requerendo a interpretação da cláusula do Acordo Coletivo de Trabalho que tratava da RMNR e a forma de cálculo de suas parcelas. O dissídio foi levado a julgamento em outubro de 2015 e, por maioria de votos, a Seção de Dissídios Coletivos (SDC) acolheu a interpretação defendida pela empresa. Diante do indicativo de decisão contrária ao entendimento consolidado pela SDI-1, o julgamento foi suspenso e instaurado o Incidente de Uniformização de Jurisprudência (IUJ) com envio do processo ao Tribunal Pleno.
Posteriormente, parecer da Comissão de Jurisprudência opinou pelo descabimento do IUJ no caso, em razão da diferente natureza jurídica da decisão da SDC, em sede de dissídio coletivo, e da decisão da SDI-1, em sede de dissídios individuais. Finalmente, o caso foi levado ao Tribunal Pleno sob a sistemática da repercussão geral em razão de sua relevância, nos termos do art. 77, II, do Regimento Interno do TST. Fase em que se encontra atualmente.